Se você disser que aplica teorias econômicas na criação de seus filhos, vão pensar que: a) você só pensa em dinheiro; b) você só está preocupado com o futuro financeiro de seus herdeiros; c) você é um visionário; d) você é um monstro.
O economista australiano Joshua Gans pode não se encaixar em nenhuma das alternativas acima, mas ele afirma que usar o pensamento econômico para criar os filhos é uma forma inteligente de resolver conflitos, além de gerar benefícios aos pais e às crianças.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
Economista faz sucesso ao adaptar ferramentas do mundo dos negócios à educação das crianças |
Não se trata de grana. Deixando de lado questões claramente econômicas, como calcular preços de fraldas ou mensalidades escolares, ele aplicou, com seus três filhos, estratégias originalmente usadas em negociações político-financeiras para resolver desde questões prosaicas (ensinar a usar o penico) até altruístas (o que fazer para que os filhos se tornem pessoas independentes).
BENEFÍCIOS
As tentativas de ser um bom economista e um bom pai (alguns sucessos, muitos fracassos) já renderam a Gans benefícios de curto e médio prazo.
Ele começou imediatamente a usar os exemplos domésticos para ilustrar suas lições de teoria econômica a alunos de MBA. Fez sucesso. As histórias da vida real deixaram as aulas mais animadas, os alunos mais interessados e os conceitos mais claros.
Gans então criou uma "marca" para essa sua proposta educativa. "Parentonomics", que junta pais ("parents") com economia ("economics") e remete ao modelo dos "Freakonomics" ""outro termo de sucesso e nome de um livro que já vendeu mais de 4 milhões de exemplares.
Em "Freakonomics", o economista norte-americano Steven Levitt mostra como aplicar princípios econômicos a situações da vida cotidiana, além de colocar em dúvida verdades preestabelecidas sobre temas tão variados e polêmicos quanto corrupção e aborto.
Não é preciso ser um especialista em mercado de futuros para descobrir que, no médio prazo, as aplicações de Gans também renderam um livro.
Hoje, os filhos do economista estão com 12, dez e seis anos. Resta saber se os benefícios de longo prazo, que são os que realmente importam, virão. Ou se faz sentido pensar em "educação de resultados" ou nos "lucros embutidos" das atitudes que tomamos em relação às crianças.
O economista Bernardo Guimarães, autor de "Economia Sem Truques" (ed. Campus-Elsevier), diz que para educar filhos é preciso duas coisas: definir objetivos e o que é preciso fazer para alcançá-los. "A economia ajuda muito pouco no primeiro quesito, mas pode ser um excelente instrumento na segunda parte da questão."
As grandes ferramentas oferecidas por Gans são os incentivos e as negociações. Mas a maioria dos pais e das mães já vive fazendo isso, mesmo que eles não entendam nada de economia.
"Muitas das coisas que educadores falam podem ser traduzidas por termos usados na economia. O que a teoria econômica te dá é um arcabouço para pensar nessas coisas, tentar entender por que algumas escolhas são feitas e as reações que provocam", diz Guimarães.
Marcos Fernandes, professor da Escola de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, afirma que é possível tirar lições das estratégias usadas em empresas ou relações internacionais para usar na educação.
MENOR CUSTO
"É politicamente incorreto dizer isso, mas você pode usar modelos [econômicos] para criar os seus filhos com o menor custo para ambas as partes", diz Fernandes.
O modelo proposto por Gans é a teoria dos jogos, estudo das interações estratégicas para a tomada de decisões que tragam menos custos e mais benefícios aos envolvidos.
Segundo Fernandes, essa teoria funciona com os filhos e pode ajudar os pais a encontrar um caminho entre as duas estratégias educacionais debatidas hoje: a autoritária e a igualitária.
O professor da FGV é pai de um garoto de 16 e de uma menina de 11 anos. "Aprendi a não deixar meu lado emocional me dominar na hora de educá-los, para pode aplicar a teoria dos jogos nas negociações que faço com eles."
Para o autor de "Parentonomics", é o fator emocional que atrapalha a tomada de decisões eficientes na educação dos filhos.
Ele tenta convencer os pais sobre a sua teoria mostrando as recompensas colhidas a partir dessa maneira de agir (os tais dos incentivos).
Por exemplo: o custo emocional de deixar um bebê chorar por algum tempo no berço, porque ele não quer dormir, pode ser eliminado se você o pegar imediatamente no colo. O custo futuro dessa atitude é que será cada vez mais difícil acostumá-lo a dormir sozinho. Nada que "Super Nanny" e qualquer mãe de bom-senso não endossariam.
"Pensar nos benefícios a longo prazo ajuda a separar a parte emocional e recuperar o bom-senso. E o sono perdido", diz Gans.
Da manga do economista também saem estratégias para conseguir que os filhos adotem hábitos desejados (por exemplo, comer verduras) em troca de incentivos bem dosados (comer doces), sem inflacionar a oferta de guloseimas.
A importância dos incentivos não é novidade para educadores, mas, ao contrário do que acontece nas negociações econômicas, não é a base do negócio.
"Na criação dos filhos, a base é o afeto, o reconhecimento da criança, o acolhimento. As recompensas e punições vêm a partir e por causa disso", diz a psicóloga e terapeuta de família Marina Vasconcellos, da Unifesp.
PEDAGOGIA DE RESULTADOS
Como a teoria econômica é aplicada na educação dos filhos
EQUILÍBRIO COMPETITIVO
O que é
Se não há confiança, não há cooperação, e cada parte usa as respostas ou reações da outra para buscar o melhor resultado
Como se aplica
O bebê quer atenção e chora quando é colocado para dormir. Os gritos são uma oferta: "Eu paro de gritar se vocês me derem atenção"
JOGOS COM REPETIÇÃO
O que é
A mesma interação estratégica se repete ao longo do tempo
Como se aplica
O bebê no berço quer atenção, mas os pais percebem que o custo desse tipo de choro para a criança (a exaustão) implica que ela só vai continuar chorando enquanto tiver motivos para achar que vai funcionar
NEGOCIAÇÃO
O que é
Oferecer benefícios à outra parte que compensem algum custo que ela terá
Como se aplica
Os pais sinalizam que deixarão a criança comer algumas "bobagens" em troca de uma alimentação saudável na maior parte do tempo
EQUILÍBRIO COOPERATIVO
O que é
As pessoas se juntam para atingir o objetivo de forma a aumentar os benefícios para todos
Como se aplica
A negociação 'verduras x doces' leva a um equilíbrio cooperativo: a situação é boa para a criança, porque ela se alimenta bem e tem direito a suas guloseimas, e é boa para os pais, porque evita desgaste e eles conseguem garantir uma alimentação adequada
INCENTIVOS
O que é
Não são necessariamente monetários, mas as motivações suficientes para as pessoas fazerem algo que, aparentemente, não lhes trará nenhum benefício imediato
Como se aplica
Para um bebê, não há vantagem em trocar a fralda pelo penico, mas ele pode achar a troca interessante se receber aprovação carinhosa dos pais sempre que usar o banheiro.