Publicado em 18/04/2011 | André Gonçalves • agoncalves@gazetadopovo.com.br
Tive um professor de História que costumava repetir uma piada, mais ou menos engraçada, de que o comunismo podia até ser o céu, o problema era o purgatório do socialismo. Claro que era um humor muito sofisticado para adolescentes, mas não deixa de ser uma análise interessante.
Em linhas gerais, o comunismo puro de Karl Marx e Friedrich Engels desenha uma sociedade igualitária, apátrida e livre do Estado, mas que só pode ser alcançada por uma transição capaz de equalizar desigualdades, o socialismo. A questão é que, nas tentativas práticas, a revolução socialista acabou virando sinônimo de um Estado-Monstro, que manda em tudo.
E quem conseguiu controlar as rédeas desse bichano, vide Josef Stálin e Fidel Castro, gostou tanto que não quis largar o osso. O resultado todo mundo conhece: regimes totalitários que se transformaram em exemplos universais do que não se fazer.
A aplicação das teorias de Marx e Engels é algo obviamente bem discutível, porém, O Manifesto Comunista, publicado pela primeira vez em 1848, segue perene no que se refere à luta de classes. No Brasil de hoje, não há exatamente uma luta, mas um atropelamento. No ano passado, a classe C recebeu 19 milhões de pessoas vindas das classes D e E e chegou a 101 milhões de pessoas (53% do total de 191,8 milhões de brasileiros).
Um ano antes, ela correspondia a 49% da população e o crescimento não vai parar por aí. A “nova” classe média, com renda familiar entre três e dez salários mínimos, deve abarcar até 65% da população em 2014, quando o país sediará a Copa do Mundo.
O fenômeno, claro, não passou despercebido pelos políticos. Tanto que os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT) começaram a se digladiar explicitamente pela paternidade desse grupo na semana passada. FHC ousou ao dizer que os tucanos devem esquecer o “povão”, o que gerou reação imediata do petista.
Na verdade, Fernando Henrique queria dizer que o partido deve sintonizar-se com a classe C. Geraldo Alckmin parece ter sido um dos poucos que entenderam o recado e logo defendeu o colega como “grande responsável” pela inclusão social no país. Em Londres, Lula rebateu: “Não sei como alguém estuda tanto e depois quer esquecer o povão.”
A batalha é curiosa. Inegavelmente, Lula tem mais identidade com a classe C – não fosse assim, não conseguiria eleger uma sucessora sem bagagem política. Mas FHC, com a mesma sutileza do meu professor, acertou o tom: a nova classe média não quer ser tratada como “povão”.
Mais brasileiros com mais dinheiro no bolso vão começar a pleitear novas políticas públicas para subir ainda mais na vida. Temas como excesso de impostos, infraestrutura e qualidade do serviço público vão entrar na agenda para valer, amenizando clichês paternalistas e clientelistas. Sim, uma revolução está por vir e, como no passado, o Estado-Monstro não vai sobreviver. Por enquanto, PT e PSDB não estão devidamente conectados à demanda desse furacão social – mais sofisticado e ambicioso do que um simples “povão”. É melhor que ambos reflitam sobre Marx e Engels, mas que também se atraquem em Philip Kotler, o papa do marketing. Quem não usar estratégias de administração capitalista modernas, como diferenciação e segmentação, para se antecipar ao que deseja a classe C vai ficar fora do páreo.
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